Prólogo
Há décadas atrás, as famílias de reis e rainhas, Montreal e Castillo, travaram uma guerra para decidir quem ficaria no poder da terra de Pedra Verde. Em um acordo mal feito pelos regentes, a terra foi dividida ao meio, sendo a parte baixa comandada por Montreal e a parte alta pelos Castillo. As famílias só não contavam com o fato de que dois de seus primogênitos se apaixonariam e em meio à guerra e disputa de poder e riquezas, Francis e Clarice, futuros regentes, perderam as suas vidas tentando unir as duas famílias e, prometeram, em seu último suspiro, que seriam um do outro, independentemente de quantas vidas vivessem e contra quem lutariam para defender este amor. Então, na mesma noite, uma profecia foi lançada:
Quando dois herdeiros de famílias inimigas
Na terra reencarnar,
Suas almas se encontrarão
Colocando um fim à divisão de terra
E mostrando para todos que nem a morte põe fim ao amor.
Cinquenta anos depois...
A movimentação no castelo começou cedo este ano. Vejo os serviçais chegando para começar o trabalho. Mas, francamente, acho um pouco cedo começar com os preparativos dois dias antes do baile de primavera. Ao me aproximar do meu quarto, vejo a porta aberta e ouço movimentos lá dentro. Silenciosamente, caminho até a porta e esgueiro-me para dentro.
- Serviçais não deveriam entrar neste quarto. - anuncio já perto da mulher que, ao ouvir minha voz se assusta e deixa a bandeja com comida cair no chão.
- Ah, que ótimo! Agora serei trancada nas masmorras. - ela reclama abaixando rapidamente para limpar a bagunça. Me abaixo para ajudá-la. Depois de um tempo arrumando os restos de comidas, nos levantamos.
- Sabe, você não é presa nas masmorras por ter derrubado a bandeja no chão. – declaro calmamente observando a jovem que parecia nervosa e, até o momento, completamente absorta à quem eu sou.
- E como você sabe? – ela pergunta, então, de repente perde o interesse em escutar a resposta. – Olha, me desculpe, mas preciso ir buscar outra bandeja dessa para o príncipe. – completa, ainda sem perceber com quem está falando.
- Bom, fico lisonjeado, mas não estou com fome. – respondo jogando meus braços para trás para observar a reação dela. Ao perceber a confusão, a garota arregala os olhos.
- Senhor, peço-lhe mil desculpas por isso. – se apressa a dizer enquanto puxa a barra do vestido branco e se curva em uma reverência. Apesar de gostar de algumas regalias que o título me proporciona, esta era a que eu mais detestava.
- Por favor, não há necessidade. – interrompo segurando-a pelos ombros.
- Me desculpa senhor, eu posso descer agora e pegar outra bandeja. – oferece novamente.
- Não se preocupe com isso. Eu realmente não estou com fome agora. E por favor, me chame de Rafael. – peço me afeiçoando um pouco ao desajeito dela.
- Mais uma vez, peço desculpas, senhor. Mas não posso fazer isso. Bom, já que você não está com fome, com licença, senhor. – ela se curva novamente e caminha em direção à porta.
- Pode ao menos me dizer o seu nome? – peço de onde estou.
- Isso é uma ordem, senhor? – os olhos castanhos se viram para mim com certa resistência.
- Não, é um pedido. – declaro, pela primeira vez na vida, desconcertado.
- Então, não. – fala firme e sai do quarto, me deixando completamente boquiaberto. Foi a primeira vez em dezoito anos que me disseram um não. Quem é essa garota?
Katerina
Oras, saio do quarto do príncipe pisando firme. Primeiro, ele me faz derrubar a bandeja com tudo no chão. Depois tenta flertar comigo? Sinceramente, quem ele pensa que é? Ele é O príncipe, Katerina! O príncipe! E você é só uma órfã insolente que disse não para um pedido real.
Ao chegar na cozinha a Sra. Cândida está com aquela carranca fechada me fuzilando, e, ao seu lado, tem um guarda parado esperando.
- Senhora, o príncipe não estava com apetite. – declaro deixando a bandeja em uma das bancadas da enorme cozinha do castelo.
- O príncipe exigiu que você retornasse com mais comida, garota. O que você fez com essa bandeja que eu lhe dei? – ela cospe ódio em mim.
- Nada, eu... – tento me explicar, mas como posso culpa-lo por isso?
- O príncipe garantiu que a serviçal não tem culpa, Cândida. – o guarda declara sem nenhuma emoção no tom de voz. No mesmo instante, uma ajudante me entrega outra bandeja com frutas e refresco e, novamente, caminho em direção ao quarto para entregar-lhe comida. Ao chegar, a porta está fechada e eu dou dois toques para pedir permissão.
- Com licença, senhor. – declaro abrindo lentamente a porta. – Trouxe sua comida. – completo. – Apesar de ter dito que não estava com fome. – deixo escapar.
- Não estava. – ele responde olhando para a janela. – Mas você não me disse o seu nome. – completa virando e caminhando em minha direção.
- Então, era uma ordem? – pergunto erguendo a sobrancelha enquanto deixo a bandeja sobre a escrivaninha.
- Não, mas você não me deu outra escolha. – Príncipe Rafael responde cruzando os braços sobre os peitos. Assim, próximo a mim, ele não era tão feio. Quero dizer, as garotas do orfanato morriam de amores por ele, e agora entendo. Os cabelos negros, olhos verdes e a pele clara chamavam a atenção, isso sem contar no sorriso provocador. Mas, eu sempre vivi no mundo real para não me permitir ser iludida por sonhos.
- Meu nome é Katerina, senhor. – respondo sem tirar os olhos dele.
- E de onde você é, Katerina? – pergunta.
- Me desculpe, senhor, mas eu estou cheia de coisas para fazer e, se a senhora Cândida me pega aqui, capaz de me expulsar do castelo. – imploro sabendo que chegamos a um assunto delicado.
- A senhora Cândida está ciente de que você agora não trabalha mais na cozinha. – ele responde erguendo a cabeça. Como?
- O quê? – pergunto sem entender. Eu fui expulsa? – Foi sem querer, senhor. Eu juro que não joguei a bandeja de propósito, eu me assustei.
- Está tudo bem, Katerina. Você não trabalha mais na cozinha, porque vai me auxiliar com os meus afazeres. – ele conclui cruzando os braços tranquilamente.
- Olha, senhor, creio não ser a pessoa adequada para isso. – respondo sinceramente.
- Você sabe arrumar um quarto? – pergunta e eu concordo com a cabeça. – Sabe ler as pessoas, saber quando estão mentindo? – concordo novamente. Cresci com um bando de crianças que tentavam levar vantagem em cima das outras, aprendi isso bem cedo. – Então, você é a pessoa certa.
Rafael
Depois de um dia conversando e conhecendo mais sobre Katerina, percebi que tinha que descobrir mais sobre ela, mesmo que ela não me tenha me dado muitos detalhes, então, fui até a senhora Matilda, responsável por recrutar serviçais para o castelo, e investiguei sobre de onde ela vinha. Não vou negar, foi um choque descobrir que Katerina era órfã. Depois de algumas investigações no orfanato, descobri que ela era filha de Alana Spark e seu pai se chamava Henri, sem sobrenome nos registros. A única pista que eu tinha, depois disso, era da melhor amiga de Alana, Danelle, que confessou que Alana se envolveu com alguém da realeza e que, quando enfim sua ficha caiu de que não poderiam ficar juntos, ela fugiu para parte alta de Pedra Verde sem contar para Henri que estava grávida mas, ao dar à luz a Katerina, não resistiu, dando-lhe apenas o nome. Como Danelle não tinha condições de criar a menina, entregou-a no orfanato. Onde foi criada até hoje. E aqui estou eu, ciente de que Katerina é uma Montreal e sem saber o que fazer. Passar o dia com ela ontem, me fez sentir real, o toque e o sorriso dela, foram sensações novas que me fez sentir feliz como nunca fui. Talvez, nós não sejamos as pessoas ditas na profecia, somos só duas pessoas, de famílias inimigas, mas que se encontraram. Certo?
- Oi! – Katerina senta ao meu lado me tirando dos pensamentos. – Procurei você o dia todo. Pensei que poderíamos analisar as fichas das suas pretendentes, o que acha? – pergunta entusiasmada.
- Porque não me disse que era órfã? – pergunto tentando entender o motivo.
- Não achei que tivesse necessidade. – admite dando de ombros. – Olha, eu não sou ninguém importante, mas, você me deu uma chance de ser algo além de uma órfã, de poder ajudar no castelo, então, não quis que me demitisse por eu não ter pais.
- Eu fui ao orfanato hoje. – abro o jogo com ela. – Você não é órfã, Katerina. – ela fica em silêncio. Seus olhos se arregalam e um misto de emoções passam por eles. – Sua mãe morreu, mas seu pai ainda está vivo.
- NÃO! – ela me interrompe com um grito enquanto lágrimas rolam por seu rosto. – Ele morreu. Eu nunca tive um pai. – completa tentando se acalmar. Levo meus dedos ao seu rosto limpando as lágrimas.
- Está tudo bem. Você é diferente de todas as mulheres que já conheci. Eu tinha que escolher alguém no baile e eu escolhi você. Mas precisava saber da sua história para que pudéssemos ficar juntos. – falo sem tirar os olhos dela. – Você é Katerina Montreal, filha de Henri Montreal e a única herdeira do trono da parte baixa de Pedra Verde. – completo para ela que me olha sem entender.
- O quê? – pergunta. – Você está enganado. – insiste ela.
- Eu procurei Henri, confirmei a história que a amiga da sua mãe me contou. Quando ele descobriu que sua mãe teve uma filha, ele te procurou em todos os lugares, mas haviam dito que você também não tinha resistido. Sabe essa manchinha que você tem no pulso? – pego sua mão alisando a marca de nascença. - É uma marca de nascença, idêntica à dele. Você é uma Montreal!
- E onde exatamente isso facilita paranós? – pergunta com lágrimas voltando a rolar pelos olhos, ela entendeu. O fato de ela ser herdeira, nos permite ficar juntos segundo a lei, mas o fato de ser uma Montreal, muda tudo.
- Eu não me importo com uma briguinha idiota entre dinastias. – declaro beijando seu rosto no exato momento em que uma lágrima rola por ele.
- Você não, eu não. Mas e todo o resto? – pergunta fechando os olhos a sentir o meu toque.
- Daremos um jeito. Ou morreremos tentando. – completo beijando-lhe nos lábios.
Katerina
Ao encostar seus lábios nos meus, uma enxurrada de lembranças do passado, lembranças que nunca vivi, me invadem. Nelas, um casal é morto pela própria família. Apenas para impedi-los de ficar juntos e, não sei como, mas eu sei. Não é um aviso, éramos nós. Francis e Clarice.
- Francis? – pergunto sem ar ainda tomada pelas emoções e sentimentos das visões.
- Clarice! – Rafael fala me tomando nos braços. – Eu sabia que nos reencontraríamos.
- Independente de quantas vidas vivermos e contra quem tivermos que lutar. – Repito a nossa promessa.
- Está pronta para enfrentar o mundo? – pergunta me observando.
- Ao seu lado, sempre estarei.
O valor do verdadeiro amor
Ao se reencontrarem, Clarice e Francis, agora conhecidos como Katerina e Rafael, lutaram contra o ódio da família Castillo, apesar de receberem apoio dos Montreal. Rafael foi considerado um herói por ajudar Henri a encontrar sua filha depois de 16 anos e, no leito de morte de sua mãe, ele conseguiu o perdão dos Castillo, unindo novamente o povoado de Pedra Verde. A terra, por sua vez, nunca fora tão farta e feliz quanto no reinado do casal da profecia e, juntos, eles provaram mais uma vez, o valor do verdadeiro amor.